|
O CONTO CHINÊS
Há
muitos anos, vivia na China um jovem chamado Mogo cujo meio de
vida era lascar pedra pelas ruas, debaixo de sol e chuva.
Seu trabalho era muito cansativo, mas Mogo era são e forte:
podia ter sido muito feliz.
No entanto, estava muito descontente com sua sorte e nada mais
fazia que queixar-se desde manhã até à noite.
Seu anjo da guarda via com pesar como seu protegido desprezava
tudo o que de bom o Senhor lhe havia dado e invejava os que tinham
mais que ele, tinha medo que a alma de Mogo se desfigurasse e
acabasse por perder-se.
Por isso, uma noite em que o jovem dormia, o anjo estendeu suas
grandes asas brancas e elevou-se até o céu. Prosternou-se
ante o Senhor e suplicou-lhe que concedesse a Mogo a graça
de transformar-se em um poderoso cavaleiro de modo que não
tivesse que invejar ninguém e, assim, salvar sua alma.
- Eu o concedo - disse o Senhor. - E de agora em diante Mogo
terá tudo o que desejar.
No dia seguinte, Mogo estava entregue a seu trabalho, quando
de repente foi envolvido por uma nuvem de poeira levantada por
um grupo de cavalos que puxava a carruagem em que viajava um
nobre, cujo traje de ouro e pedras preciosas brilhava as sol.
Passando as mãos pelo rosto suarento e sujo, Mogo disse
com amargura:
- Por que não posso eu ser nobre também?
- Sê-lo-ás! - murmurou seu anjo invisível
com imensa alegria.
E Mogo foi dono de um palácio suntuoso e de terras infindas,
e teve servidores e cavalos. Costumava sair todos os dias com
seu impressionante cortejo para ver como o povo e, especialmente
seus antigos companheiros, alinhavam-se respeitosamente à
beira da rua.
Numa tarde de verão, percorria o campo com sua escolta.
O calor estava insuportável, e debaixo de seu guarda-sol
dourado, Mogo transpirava nem mais nem menos do que quando lascava
pedras. Pensou então que não era o mais poderoso
do mundo: sobre ele havia príncipes, imperadores, e ainda
mais alto que estes estava o sol, que a ninguém obedecia
e que era o rei do firmamento.
- Ah, anjo meu! Por que não posso ser o sol? - lamentou-se
Mogo.
- Pois sê-lo-ás! - exclamou o anjo docemente mas,
com uma enorme tristeza, ante tanta ambição.
E Mogo foi sol, como era seu desejo.
Enquanto brilhava no céu em todo seu esplendor orgulhoso
de poder amadurecer as colheitas e as frutas na terra, ou queimá-las,
a seu bel-prazer.
Um ponto negro avançava ao seu encontro. A mancha escura
crescia conforme avançava. Era uma grande nuvem que estendia
seus escuros véus em torno do disco luminoso do sol. O
astro rei lançava seus raios luminosos mais potentes contra
a nuvem que o ofuscava, tentando incendiá-la. Mas as trevas
fizeram-se cada vez mais densas e a noite desceu.
- Anjo! - gritou Mogo - A nuvem é mais forte do que eu!
Quero ser nuvem!
- Sê-lo-ás! - respondeu o anjo.
Mogo, sendo nuvem, desencadeou-se:
- Sou poderoso! - gritava, escurecendo o sol.
- Sou invencível! - trovejava, perseguindo as ondas.
Mas, na costa deserta do oceano erguia-se uma imensa rocha de
granito, tão velha como o mundo. E a Mogo parecia que
a rocha o desafiava e desencadeou uma terrível tempestade.
As ondas, enormes e furiosas, golpeavam a rocha como a querer
arrancá-la do solo e atirá-la no fundo do mar.
Mas, firme e impassível, ali estava a rocha.
- Anjo! - soluçava Mogo, - a rocha é mais forte
que a nuvem! Quero ser rocha.
E Mogo foi rocha.
- Quem poderá vencer-me agora? - perguntava a si mesmo.
Certa manhã, Mogo sentiu uma lancetada aguda em suas entranhas
de pedra, e em seguida uma dor profunda como se uma parte de
seu corpo de granito estivesse sendo dilacerada. Logo ouviu golpes
surdos, insistentes, e novamente a dor lancinante...
Louco de espanto gritou:
- Alguém está matando-me anjo! Quero ser como ele!
- E sê-lo-ás! - exclamou o anjo chorando.
E foi assim que Mogo voltou a lascar pedras nas ruas.
(Agradecimentos ao Daniel Santos, por nos enviar esse conto)
|