Era uma vez... 


@ ASAS PROTETORAS

lualuaFazia um frio terrível. O ar claro parecia coalhado de minúsculas agulhas cristalizadas espetando todos os seres vivos. No meio da tarde, as ruas estavam quase desertas. Uma pessoa ou outra ainda fora de casa corria de abrigo em abrigo. Não havia um só cachorro na rua. Não se ouvia um pássaro cantar. Os pardais tinham-se escondido em todos os buraquinhos e frestas que encontraram. Os pombos se encolhiam uns contra os outros sob os beirais. Muitos pássaros morriam congelados.
Sob o beiral da varanda de uma casa, abrigava-se um bando de pombos coladinhos um no outro, tentando se aquecer, sem muito sucesso. Uns pardaizinhos, desalojados do abrigo que estavam, viram o bando de pombos e vieram voando até a varanda.
- Queridos pombos - chilrearam os pardais -, podemos ficar com vocês? Aí está tão quentinho.
- Suas penas estão cheias de gelo. Não podemos receber vocês aqui. Nós também estamos quase congelando - murmuraram os pombos, desconsolados.
- Mas estamos quase morrendo.
- Nós também.
- Mas deve estar quentinho debaixo de suas asas, pombinhos. Por favor, nos deixem pousar aí! Somos tão pequenos e sentimos tanto, tanto frio!
- Venha - arrulhou uma pomba, e um pardalzinho trêmulo se acomodou debaixo da asa dela.
- Venha! Venha! - disse outro pombo de bom coração, e outro, e mais outro, até que metade do bando de pombos estava abrigando cada qual um pardalzinho, debaixo da asa quase enregelada.
As outras pombas diziam:
- Não sejam bobos! Por que arriscam a vida para proteger esses pardais que nada valem?
- Ah, eles são tão pequeninos, estão com tanto frio, coitadinhos - Arrulharam as pombas. - Muitos vão morrer nessa noite cruel, muitos de nós também. Enquanto temos vida, vamos compartilhar com os mais fracos que nós.

O dia ficava cada vez mais frio. O restinho de sol se escondeu por trás de nuvens radiantes de luz e o vento aproveitou para soprar com mais força na casa onde os pombos e os pardais esperavam a morte.
Uma hora depois do pôr-do-sol, um homem chegou à varanda da casa. Fechou com força a porta ao entrar e, quando a porta bateu, um menina viu um pombo morto despencar do beiral e cair no chão da varanda.
- Olha, papai - gritou, surpresa. - Um pombinho gelado no chão!
Quando o pai saiu para pegar a avezinha, viu o resto do bando encolhidinho sob o beiral. Não conseguiam mais se mover, não conseguiam mais piar. O homem pegou um por um e trouxe para a sala. Pouco depois, metade dos pombos arrulhava, levantando as asas, voltando à vida. E debaixo de cada asa que se levantava saia um pardal.
- Olha, papai! - gritou a menina. - Todas as pombinhas que voltaram à vida tinham um pardalzinho perto do coração!
Levantaram as asas de todos os pombos que ainda não tinham revivido. Não acharam nenhum pardal.

O vento lá fora soprava cada vez mais frio, cada vez mais cortante eram as agulhas do ar cristalizado, mas os pombos que tinham dado abrigo aos pardais enregelados sob as asas trêmulas viviam para saudar o sol dos dias do porvir.


(Extraido do Livro das Virtudes de Willian J. Bennett - Editora Nova Fronteira)

 


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©1997-2002, Chave Mágica
by Leandro Amaral e Ricardo Namur
Ilustrações em aquarela: Sérgio Ramos