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ARACNE
Aracne era uma linda donzela, magnificamente bem dotada para
tecer e bordar. As ninfas vinham dos bosques e fontes para se
reunirem ao redor do seu tear. As náiades saiam dos rios
e as dríades desciam das árvores e nunca se cansavam
de admirá-la.
Ela pegava a lã do jeito que vinha da tosquia das ovelhas
e organizava-a em rolos. Habilidosamente, separava a lã
e desembaraçava-a até ficar macia como nuvem. Depois,
girava a roca com muita destreza, tecendo o fio. Quase sempre,
tomava da agulha e fazia bordados em cores bonitas e suaves.
O pai de Aracne era afamado em toda a região por sua maestria
nas cores. Era ele que tingia a lã de todas as cores do
arco-íris.
Os trabalhos de Aracne eram tão maravilhosos que as pessoas
comentavam:
- Com certeza, essa donzela foi treinada por Atenas.
Mas Aracne desmentia orgulhosa. Não tolerava que pensassem
que era discípula de ninguém, nem mesmo da deusa
do tear.
- Se Atenas pensa que sabe tecer melhor que eu, que venha competir
- dizia, gabando-se. - Se eu perder pagarei a pena.
Em vão, o pai lhe dizia que talvez Atenas, invisível,
estivesse guiando suas mãos. Aracne não dava ouvidos
e não agradecia ninguém pelo seu dom, pois a vaidade
já a dominava inteiramente. E repetia:
- Atenas que ouse concorrer comigo !
Um dia Aracne estava com as ninfas, gabando-se da beleza dos
seus trabalhos quando uma velha surgiu diante dela e aconselhou-a
a aceitar com humildade seu raro dom. Aracne encarou a velha
furiosa, dizendo:
- Pode dar seu conselho a outra, senhora. Eu é que não
preciso dele. Mas a velha continuou:
- Escute-me. Sou muito idosa e tenho muita experiência,
por isso vim advertí-la. Até agora, Atenas tem
ajudado você, sem pedir nenhum agradecimento; mas ela não
vai mais poder ajudá-la se você não perder
o egoísmo e a vaidade. Minha principal advertência
é para você pedir perdão a Atenas. Talvez
ela ainda conceda perdoar seu orgulho egoísta. Pode desafiar
seus companheiros mortais, se quiser; mas, eu imploro, não
tente competir com a deusa.
Porém Aracne retrucou:
- Vá embora. Eu não tenho medo nenhum de Atenas,
nem de ninguém. Nada me daria mais prazer do que tecer
com Atenas, mas ela está é com medo de competir
comigo.
Então, subitamente, a velha jogou de lado o manto e à
frente de Aracne surgiu uma deusa alta, majestosa, de olhos cinzentos
e coroado por um elmo de ouro.
- Atenas está aqui - disse.
As ninfas curvaram-se profundamente em sua homenagem, mas Aracne
permaneceu altiva. Empalideceu, mas não deu nenhum outro
sinal de medo.
- Venha, menina tola; já que você quer competir
comigo - disse Atenas - , que comece o concurso.
Ambas começaram depressa a trabalhar, e durante horas
suas lançadeiras voaram de um lado para o outro. Atenas
usou o céu em seu tecido, e nele bordou um quadro lindo
demais para se descrever, algo como o céu do crepúsculo
nas altas montanhas.
A deusa ainda teve piedade, e depois começou um trabalho
menor, mais parecido com o de Aracne. Neste ela bordou uma advertência,
mostrando como outros mortais arrogantes haviam fracassado ao
tentar competir com deuses. Esperava que a moça ainda
se arrependesse daquela imprudência. Mas Aracne recusou
essa última chance de se salvar.
Seus tecidos eram tão lindos e perfeitos que até
Atenas viu-se forçada a admirar. Os personagens bordados
só faltavam falar, mas os temas continham muitas faltas
e fracassos dos deuses; seus trabalhos mostravam um grande despeito.
Quando as tarefas terminaram, Aracne finalmente olhou para os
trabalhos de Atenas. Instantaneamente, soube que perdera. Envergonhada
e arrasada, tentou se enforcar nos próprios fios, mas
Atenas gritou:
- Fique, menina desgraçada e perversa ! Você não
morrerá. Vai viver e executar o trabalho que melhor conhece.
Você e seus filhos fabricarão os melhores fios e
tramas da terra. Você vai gerar uma numerosa raça,
que será conhecida como as aranhas. Sempre que o homem
encontrar sua teia, irá destruí-la, como eu destruo
agora.
Enquanto falava, Atenas pegou a lançadeira e rasgou o
trabalho da donzela de alto a baixo.
Em seguida tocou a testa de Aracne e a moça foi encolhendo,
encolhendo, até ficar do tamanho de uma mosca.
E até os dias de hoje Aracne e sua família sempre
fiam e tecem, mas trabalham bem quietinhos e em lugares escondidos.
Poucas pessoas chegam a ver as maravilhosas tramas que criam.
De manhã bem cedinho, pode-se ver suas teias cintilando
de orvalho, espalhadas pela grama ou pendendo entre os galhos
das árvores.
(Mitologia grega)
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